Uma pessoa em Angola, que fique detida por um crime que comprovadamente
não cometeu, não pode processar o Estado para exigir uma indenização?
Esta e outras perguntas podem ter sido feitas por centenas de ouvintes
que, indignados, ouviram, quinta-feira.
Através da Rádio Luanda, o dramático relato de uma senhora que ficou
detida por um crime que não cometeu, regressando a casa oito meses
depois de ter sido acusada de raptar uma criança numa província para
onde viajou, a partir de Luanda, à procura de negócio para o sustento
dos três filhos.
Por mais que queira seguir a sua vida para a frente, como foi o seu
pensamento à saída da Cadeia de Viana, na sequência do duro golpe que o
destino lhe pregou, a senhora, que se identificou à Rádio Luanda,
continua a viver psicologicamente sobressaltada por não ter encontrado
até hoje os filhos desde que foi libertada.
A detenção da senhora começou cronologicamente assim: sendo mãe
solteira, com três crianças sob a sua responsabilidade, como viajava com
frequência para uma província do interior, de onde trazia para Luanda
produtos que vendia na capital angolana, viajara daquela vez com uma
prima.
Já na província, a senhora, como sempre fazia, deslocou-se a um ponto
de negócio, onde foi abordada por uma senhora desconhecida, que trazia
ao colo um bebé de três meses, tendo esta pedido à vítima que segurasse o
seu filho, por alguns instantes, porque iria a um outro ponto, sendo
ela também uma pessoa que estava na província com o mesmo propósito.
A senhora, como esperou mais do que devia e devido ao tardar da hora,
decidiu levar a criança a uma esquadra da Polícia, onde quis deixá-la à
guarda da corporação, não tendo sido bem-sucedida por a unidade da
Polícia, depois de a ter escutado, ter-se recusado a ficar com a
criança, sem uma justificação plausível.
O único argumento que ouviu da Polícia foi que ela teria de procurar a
mãe da criança, o que ela fez sem sucesso no reduzido tempo em que
ainda permaneceu na aludida província.
Não tendo uma outra solução alternativa, a senhora decidiu trazer o
bebé para a província de Luanda e, já na capital do país, deslocou-se a
uma esquadra da Polícia, onde aconteceu o inesperado.
Foi detida por rapto de menor, não tendo a sua versão do facto
ocorrido na província onde conheceu a criança convencido os agentes que a
atenderam e que deram ordem de detenção, um calvário que só terminou
oito meses depois, já na Cadeia de Viana, para onde foi encaminhada
depois de ter permanecido três semanas na esquadra policial.
Um “anjo” – é o que ela certamente pode ter pensado em algum momento
desde a sua libertação – surgiu na pessoa do investigador Barbosa, como
foi identificado
por ela quando falou à Rádio Luanda, tendo sido este indivíduo que
reparou que o processo estava errado, o que motivou a deslocação da
senhora da Cadeia de Viana para as instalações do Serviço de
Investigação Criminal (SIC) de Luanda, para uma acareação, onde lhe foi
informada de que tinha sido detida por engano e que o processo-crime foi
mal elaborado, palavras ditas pela vítima à Rádio Luanda.
Libertada, a vítima pensou que o calvário tivesse terminado. Quando
chegou a casa, viu que não, tendo começado um novo capítulo: recuperar
os filhos que foram entregues, enquanto permaneceu na Cadeia de Viana, a
um centro de acolhimento, informação que recebeu da esquadra que lhe
tinha dado ordem de detenção, a cujo local regressou, para a obtenção de
uma informação sobre o paradeiro dos filhos, por não os ter encontrado
em casa, que não foi poupada pelos amigos do alheio. Foi assaltada
quando a senhora esteve detida e os haveres levados pelos meliantes.
“Na esquadra, disseram-me que os meus filhos estavam seguros num centro
de acolhimento de crianças e a bebé que eu trouxe para Luanda também
está bem e que já foi entregue à sua mãe”, acentuou a senhora, que disse
ter-se deslocado já ao Lar Kuzola, embora a Polícia Nacional não lhe
tivesse dito o nome do centro de acolhimento onde as suas crianças se
encontram, a primeira das quais tem actualmente 12 anos.
No Lar Kuzola, a única resposta que obteve é de que não recebeu, nos
últimos oito meses, crianças com as características e idades dos seus
três filhos. A senhora, ainda no Lar Kuloza, manifestou o desejo de
fazer uma revista ao local, o que lhe foi recusado com a alegação de que
tal pretensão só é possível com uma ordem judicial.
Contactado pela Rádio Luanda, o porta-voz da Delegação Provincial de
Luanda do Ministério do Interior, inspector-chefe Mateus Rodrigues, que
confirmou ter estado a senhora detida e sido já libertada, disse que,
havendo uma falha, esta não pode ser vinculada a nenhum órgão operativo
do Ministério do Interior, porque cabe ao SIC, por exemplo, instruir o
competente processo-crime, que é depois tramitado para o procurador para
a legalização da prisão de alguém que entre presumivelmente em conflito
com a lei.
Também porta-voz do Comando Provincial de Luanda da Polícia Nacional,
Mateus Rodrigues assegurou que a Polícia Nacional vai prestar orientação
jurídica para a ainda sobressaltada senhora reaver os três filhos que
trouxe ao mundo.
Fonte. Viana TV
